Posse

Ela tem um segredo; olha desconfiada para os lados. Um segredo, sim - ela tem.
Um segredo morno. Febril.
     Um que percorre a vida num segundo apenas, a pitada de canela do chá, o sal, o cavalo alado - é corcel! Corcel de vento que vem e que vai; ela o tem.
     E tem com o peso que os cavalos têm - os bons cavalos - a força arrasadora mas as asas - as asas mudam tudo: calafrios. É a febre... é que tem asas de espuma, o peso contradito, que corre e que voa. E ela o pega em gargalhadas falsas.
      Pega-o e guarda-o bem, mas sem exageros porque segurança demais enjoa muito fácil - ela que o diga. Ela, que por não querer enjoar leva o seu segredo num perto-não-tão-perto, deixando os sinais de dúvida - inseguranças disfarçadas - percorrerem-no como adrenalina no sangue, ao mesmo tempo em que o abraça, os dedos compridos e frágeis afundados nas pontas do segredo, nas extremidades, o meio comprimido contra o peito, firme, forte, extrema.
      Que extremista que é! Ela - vive até o fim, morre-se a cada instante, morre-se mas se agarra ao que lhe é próprio - o segredo - tem-no e guarda-o, sentimento de posse. Tem como se tivesse inventado, ela mesma, o seu viés alado de contradição.

( Juliana Gama )

2 comentários:

  1. Nem adianta esconder,pois,a cada dia,a cada suspiro e a cada texto seu, eu lhe decifro em tons que nem sonhara sentir.Belo texto! Bolivar.

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  2. Neanderthal17/5/11 18:39

    Quanta energia! Somos o contraditório,o caos,a amargura e a luz que precisamos preservar e buscar com sobriedade e sabedoria. Parabéns!

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